A PRÉ-ADOLESCÊNCIA

Cresci pastoreando cabras, cuidando dos patos, marrecos, gansos e galinha que mamãe criava (era lindo ver os patinhos nadando no laguinho improvisado do quintal); tomando banho de rio e correndo descalça pelos campos e caminhos cobertos de pedrinhas. Apesar de magricela, eu era muito corajosa e arisca. Sobrevivi da difteria, subnutrição, amarelão, feridas, as muitas quedas morro abaixo, tornando-me uma linda mocinha com os cabelos negros e a pele de um pêssego.

Meu primeiro amor foi aos 7 anos, o nome dele era Lancar, um vizinho de olhos verdes, mas ele nunca soube que eu o namorava . Nós éramos muito crianças e em nossas brincadeiras de Pêra, Uva ou Maçã eu sempre escolhia Maçã, que boba que eu era e ele sempre me escolhia, pois éramos muito amigos. Nossas brincadeiras sob a luz das estrelas eram vigiadas pelos olhos cuidadosos de papai, que sempre me mimou e me protegeu muito. Quando eu tinha 16 anos um rapaz da Igreja foi lá em casa pedir pra me namorar. Papai concordou, mas impôs os termos dele: eu sentava num canto da sala, o rapaz no outro e papai no meio. Com relação à minha educação o que contou mais foi o amor, o respeito e consideração que meus pais tinham um para com o outro, mesmo nos momentos mais difíceis da vida, com tantos sacrifícios e dificuldades, o exemplo moral e os conselhos e conversas que tinha com papai.

Eu estudei o máximo onde pude. Tive a sorte de cursar o Primário – curso fundamental - na Escola Darcy Vargas – uma escola que era mantida pela Marinha. O ensino era muito amplo, além dos estudos tradicionais recebi também uma cultura geral: Música, Bordado, Educação Física, Civismo. A banda dos Fuzileiros Navais ia sempre nos dias de festividades e aprendíamos todos os hinos relacionados à nossa Pátria. Eu era muito esperta e assimilava tudo nos estudos, tinha uma excelente memória e quase sempre ficava em primeiro lugar nos exames de fim de ano, disputando as notas com um dos melhores alunos do colégio. As medalhas de ouro sempre cabiam a mim ou ao Davi, que por sermos muito aplicados disputávamos as melhores notas. Davi era um excelente menino, muito educado, estudioso e bom amigo.

Aprendi a ler aos sete anos com livros ou gibis que conseguia ter acesso. Apesar de não ter condição de fazer dever de casa porque trabalhava muito em casa, sempre fui muito aplicada nos meus estudos. Meu pai controlava a conta de luz desligando a energia às oito horas da noite. Eu lia e estudava à luz de velas. Mamãe trabalhava arduamente pra ajudar a pagar meus estudos, costurava e lavava e passava roupa pra fora e eu tinha que entregar de trem. Lembro-me que uma vez tive que me esconder no trem para um colega não me ver com a trouxa de roupa.

Quando era preciso comprar novos uniformes escolares, quando estes não me cabiam mais, minha mãe comprava dois números maiores para poder durar mais tempo. Ela também mandava o sapateiro colocar uma chapinhas de metal nas solas dos sapatos para durarem mais. Uma vez, quando vinha da escola com algumas colegas, ficamos brincando de chutar areia para dentro do rio e o meu sapato, por estar muito largo, saiu do meu pé caindo dentro do rio desaparecendo na correnteza sem que eu pudesse fazer nada. A partir do dia seguinte tive que ir com um pé de tamanco (era aquele tamanco português comprado no armazém do seu Toninho) e enrolava o dedão pra parecer que havia machucado o pé e ninguém ficar sabendo que eu não tinha o outro pé do sapato. Isso foi até terminar o ano seguinte quando mamãe teve condição de comprar outro par de sapatos. Meus uniformes tinham que durar os quatro anos do curso. A saia era tão comprida que mamãe fazia quatro dobras largas pra fazer a bainha. A cada ano ela soltava uma dobra conforme eu ia crescendo.

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