MEMÓRIAS DA INFÂNCIA EM TERESÓPOLIS


Quando eu tinha oito anos de idade meu pai teve um infarte e ficou de licença médica. Por esse motivo tivemos que ir para a casa da minha tia Isaura, em Teresópolis. Dessa vez me lembro bem de como foi a nossa vida naquele lugar paradisíaco. Um dia antes de partirmos tive um estranho sonho: eu entrava por uma brecha de um muro e saía em um lugar de muito verde, nublado e muito frio e via um homem velho careca usando uma capa beje. Acordei e no dia seguinte seguimos de trem pela serra rumo à cidade natal de mamãe.


O trem parava na estação de Quapimirim e vários garotos entravam nos vagões vendendo banana ouro que papai comprava para consumirmos durante o restante da viajem. Passávamos por cima de rios, cachoeiras e precipícios que me davam medo. Eu ficava segurando no parapeito da janela o tempo inteiro para o trem não cair lá embaixo. Sempre que eu via o trem chegar na estação eu me escondia na saia da minha mãe com medo do apito assustador da locomotiva, a tal da “Maria Fumaça” temida por todas as crianças da minha idade.


Bem, quando chegamos na estação final, que ficava na Várzea, entramos por um caminho atravessando um muro que havia caído. Eu saí correndo na frente de meus pais que vinham logo atrás de mim com minha irmãzinha Penha, ainda bebê no colo, e, para minha surpresa quem eu encontro, o tal velho com quem havia sonhado, só que ele usava um chapéu além da capa, e gritei: mamãe, papai, olha lá o vovô. E era o próprio velho Manoel Siqueira o velho que eu havia encontrado.


Depois de visitarmos o meu avô e sua quinta esposa vovó Carlota, que era viúva como meu avô e quando se casaram ambos já tinham muitos filhos, e ainda tiveram mais dois filhos, tio Fábio e tio César, fomos para a casa da minha querida tia Isaura. Tia Isaura era uma linda mulher, ela tinha uma casinha de pau a pique no meio da floresta, e ia e voltava do trabalho todos os dias de bicicleta. Ela trabalhava como cozinheira em uma pensão, a “Pensão da Dona Frida” que ficava num lugar que era a área “nobre” de Teresópolis chamado Alto, hoje logo na entrada da cidade quando se chega pela estrada que corta o Parque Nacional da Serra dos Órgãos.


Tia Isaura, além de ser muito bonita e batalhadora, também era uma pessoa muito alegre e muito à frente da sua época. Separada do marido e com três filhos para criar, além de trabalhar na Pensão da Dona Frida também alugava um quartos nas dependências de sua casa, com direito a refeições que ela mesmo preparava, para rapazes que vinham de outras cidades para trabalhar nas construções em Teresópolis. Lembro-me de que ela me colocava na garupa de sua lambreta e saíamos passeando pela cidade. Nos dias de Carnaval era ela quem nos levava aos Clubes e passeios pela cidade para participar dos blocos carnavalescos, eu me vestia de menino e meus primos de mulher nos blocos do sujo. Era muito divertido.


Nos finais de semana havia sempre festa no arraial do lugar onde Tia Isaura cantava calango com os sanfoneiros das redondezas que vinha sempre prestigiar suas festas. Quando a cantoria de calango era em algum lugarejo mais distantes, caminhávamos em fila e com lanternas de querosene nas mãos distribuídos estrategicamente ao primeiro da fila, ao último e algumas lanternas pelo meio da fila. Isto servia para afugentar os animais selvagens que abundavam no lugar. Lembro-me de uma ver ter visto uma onça enorme nos acompanhando pelo meio do mato, bem ao lado de nós.


As vezes os homens saíam para caçar e traziam paca, tatu e outros bichos que minha tia, minha mãe e vovó Ambrozina, sogra de tia Isaura, preparavam no fogão de lenha.


A cozinha era o lugar mais importante da casa devido ao frio do inverno todos se amontoavam ao redor do fogão para contar causos antes de dormir. Eu, menina levada como era, seguia meus primos em suas travessuras: à noite, enquanto os adultos conversavam, a gente pegava brasas do fogão e jogávamos no quintal escuro. De repente as brasas sumiam. Pela manhã a clareira estava repleta de sapos mortos com a barriga para cima. Coitados...

Uma passagem dramática que passamos foi quando mamãe deu à luz a um lindo menino quando eu tinha 6 anos de idade e minha irmã apenas 2. O bebê nasceu com mais de 4 quilos, perfeito. Como não havia hospital em Teresópolis, pelo menos que me lembre, e também era de costume os bebês nascerem pelas mãos das parteiras, que nem sempre eram pessoas qualificadas para tal, nosso lindo irmãozinho faleceu com 7 dias de idade com mau de umbigo. Nunca me saiu da memória aquela imagem de um pequenino caixão de madeira forrado com tecido branco descendo o caminha pela floresta em direção ao cemitério. Fiquei em casa com as outras crianças observando o cortejo até desaparecer no meio da floresta. Nesse dia tocava no rádio uma música cantada por Orlando Silva, sucesso na época, que associei para sempre àquela imagem do meu irmãozinho Miguel.

Quando meu primo mais velho começou a namorar uma menina de 13 anos, filha de uma família que morava nos arredores, a turma toda do lugar ia brincar de esconde-esconde. Um dia, inocentemente - eu era, a menor do grupo - fui me esconder com eles em cima de uma árvore e eles me empurraram lá de cima. Caí em um brejo cheio de sapos e comecei a gritar. Minha tinha mandou alguém me pegar e nunca mais me deixou brincar de esconde-esconde.


Uma das coisas de que mais gostava além de plantar violetas era fazer esculturas em argila. Havia uma mina de argila de todas as cores: branca, verde, rosa, azul, cinza. A que eu mais gostava era a de cor verde piscina e a branca. Era muito bom trabalhar aquela massa tão macia. Hoje acho que não existe mais argila como aquela.

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