COMUNIDADES DOS ANOS 50


Nessas comunidades que eram habitadas por pessoas simples, trabalhadores das indústrias próximas, como era o caso do meu pai, descendentes de antigos escravos e alguns retirantes, havia muito respeito entre as pessoas. As crianças podiam correr soltas sem os perigos de serem atropeladas por carros ou de serem atingidas por balas perdidas. Os parentes e amigos viviam visitando uns aos outros sem o perigo de serem atacadas por marginais por não serem moradores do local. Todos os visitantes eram recebidos com alegria pelos moradores e o pouco que se tinha era dividido entre todos.

Nestes lugares afastados do Centro da Cidade havia muitas comunidades como a nossa, com a tradição dos grandes “Terreiros de Umbanda” e a participação ativa nas festividades dos Santos católicos. Os dias dedicados aos Santos eram comemorados com festa no Parque da Igreja Nossa Senhora da Penha, uma igreja muito linda que foi edificada sobre uma enorme pedra e que até hoje é um dos cartões postais da cidade. O Parque da Penha ficava repleto de famílias com suas crianças correndo pela grama, brincando e até os adultos jogavam peteca que era a diversão favorita da meninada. Muitos romeiros subiam os 365 degraus da escadaria da igreja, alguns de joelhos pagando suas promessa à Santa Protetora.

Lembro-me que íamos sempre visitar uma velha senhora negra, muito idosa chamada “Vovó Severa”, que havia sido escrava. Ela tinha um terreiro no Morro da Caixa D’água, que era habitado por poucos grupos de famílias negras, ela era a “Mãe de Santo” da minha tia Carmem. Na subida do morro a passagem era estreita, cheia de pedras e arbustos e como nos outros morros habitados por essa gente humilde não havia drogas, nem armas, nem roubos, nem nenhum tipo de violência.

Como nos outros morros das redondezas, as pessoas se respeitavam, se visitavam e eram solidárias. Se aparecesse algum indivíduo degenerado e com hábitos nocivos à população, a própria comunidade se unia para banir para bem longe tal pessoa e ela não mais retornava senão levava uma surra do povo do lugar.

Minha tia Carmem tinha um “terreiro” dentro do quintal onde morávamos. Eu, minha prima Iara e algumas amigas de infância pegávamos fumo do “gongá” do preto velho e fumávamos escondidas de nossas mães com cachimbos feitos de bambu e canudo de mamona. Uma vez mamãe nos pegou e me fez mastigar o fumo até ficar enjoada. Nunca mais pus nenhum tipo de cigarro, cachimbo ou charuto na minha boca. Isso foi muito bom porque até hoje nunca mais fumei e pude passar para meus filhos esse exemplo.

Havia festas com fogueira e as pessoas ao redor contando causos e tomando pinga, vinho ou quentão seja por qualquer motivo: Dia de Santo Padroeiro, nascimento ou falecimento de alguma pessoa. As crianças nasciam das mãos da Parteira que dificilmente perdia uma criança ou sua mãe. Doenças e feridas eram tratadas com ervas, garrafadas e rezas. Morte e vida eram consideradas coisa normal porque naquela época não havia vacina nem hospital por perto. Médico era “coisa de gente rica”. Eu mesma sobrevivi à desidratação com uma receita que a patroa da minha mãe conseguiu com o pediatra dos filhos dela.

Dos onze campos que existiam na nossa comunidade, o campo da Mangueirinha era o mais disputado. Papai sempre jogava nas disputas dos “casados x solteiros”. Não importava se eles ganhassem ou perdessem o jogo, sempre festejávamos, o importante era comemorar o dia de folga de domingo. Era o único dia da semana em que papai almoçava em casa e isso era feito com todos à mesa com pratos e travessas de lousa, por mais simples que fosse o almoço, papai fazia questão de fazer as refeições com todos os membros família sempre que ele não estava trabalhando. Lembro-me bem que eu não suportava café e ficava virando o bico do bule para o lado oposto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário