LEMBRANÇAS DA INFÂNCIA

Lembro-me como se fosse ontem do dia em que me despedi da chupeta que usei até os cinco anos de idade. Era de uma borracha um pouco dura que deformava os dentes. Naquela época ainda não existia matéria plástica, derivada do petróleo, e todos os artefatos eram feitos de borracha originária de seringueiras. Eu era muito apegada e usava chupeta sempre que podia, mas principalmente para dormir. Havia uma menina da mesma idade que eu que morava numa casinha abaixo da nossa cujo telhado ficava abaixo no nível do nosso pequeno quintal. A menina não usava mais chupeta e me convenceu a jogar a minha sobre o telhado de sua casa dizendo eu ganharia um presente da fada madrinha.


Fiquei várias noites sem dormir direito com saudades da “minha chupeta” e imaginando-a sobre o telhado. Mamãe, vendo-me sentada no escuro, ficava me perguntando: “O que foi minha filhinha, estás com saudades da tua chupeta? Fala que a mamãe compra outra.” E eu respondia que não – determinada desde criança - tinha que ”agüentar”, afinal a decisão tinha sido minha. Pouco tempo depois essa minha amiguinha veio a falecer vítima de crupe, que era muito comum e não tinha cura, assim como várias doenças virais


Naquele tempo ainda não havia geladeira e assim que papai recebia seu pagamento, que era aos sábados, ele passava no Matadouro da Penha e comprava carne fresca que chegava ainda morna em casa. Mamãe fazia bifes que eram consumidos no mesmo dia e assava o restante da carne e a colocava em uma lata cheia de gordura de porco para conservar durante todo o mês. As carnes-secas, lingüiças e queijos eram guardados pendurados acima do fogão para conservarem secas.


Passei minha infância ora no Rio de Janeiro, ora em Teresópolis. Em Brás de Pina, Rio de Janeiro, eu cresci livre correndo por entre campos, pastos, árvores e córregos; num lugar onde as vacas e cabras pastavam com seus filhotes e pássaros faziam seus ninhos nas inúmeras árvores frutíferas. Nascentes d’água brotavam nos morros ao derredor de onde morava. Havia muitas pedras grandes, que chamávamos de “pedreiras”. Eu Subia em árvores, soltava pipas feitas por mim mesma com as varinhas de bambu que brotavam abundantemente na região; brincava com bolas de gude, caçava rolinhas com atiradeiras que fazia com forquilhas de galhos e elástico, subia até o topo dos morros e de lá escorregava dentro de pranchas improvisadas.


Às vezes rolava morro abaixo esfolando-me toda; mamãe me dava umas palmadas e um bom banho de sal. Foi uma época em que não havia as facilidades de hoje, luz, fogão a gás, televisão, computador. Levávamos uma vida simples, de muito trabalho: as panelas de alumínio ficavam negras pela fuligem dos fogões a querosene e tínhamos que areá-las na beira do rio com sabão e areia até ficarem brilhando, parecendo um adorno na cozinha penduradas no “paneleiro”, um tripé feito também de alumínio. Tudo era feito em casa e o que se cozinhava tinha que ser consumido logo por não haver geladeira.


Mamãe, como quase todas as mulheres do lugar, criava animais para consumo doméstico. Como ela passou sua infância trabalhando na roça, sabia ligar com os animais e era sempre chamada para sacrificar os animais maiores, tais como porcos e cabritos quando algum vizinho ou parente precisava. Lembro-me de que quando se matava um frango, geralmente em dias especiais, era a maior festa, porque os miúdos do frango eram dado para as crianças prepararem – era uma maneira de treinar as meninas desde cedo a aprendizagem na cozinha. Todas as mães davam algum tipo de grão, legumes ou temperos para seus filhos e fazíamos a “comidinha” em mutirão. Assim aprendi a cozinhar muito cedo.


A água era carregada em latas na cabeça das mulheres e crianças ou pelos homens duas de cada vez em um tipo de “balança”, como era chamada; era um pedaço de madeira com duas correntes em cada ponta, com ganchos nas extremidades onde se encaixavam as latas; cada lata dessa tinha um pedaço de madeira pregado no meio para poder segurar com a mão ou encaixar o gancho da balança. Papai carregava duas latas de vinte litros d’água cada vez sempre que chegava do trabalho e eu carregava uma lata de dez litros d’água sob uma rodilha de pano na cabeça até um galão que abastecia nossa humilde residência.

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